Todos os trabalhos são dignos e valiosos, não subestime a ninguém
Na paisagem multifacetada de Nampula, onde as cores vibrantes do mercado se misturam ao cheiro fresco da terra molhada, cada gesto, cada movimento, conta uma história de trabalho árduo e de dignidade. São histórias que, muitas vezes, passam despercebidas aos olhos apressados de quem vê apenas o próprio caminho. Mas é preciso parar, olhar e reconhecer: cada trabalho é uma expressão de esforço, de compromisso e, acima de tudo, de humanidade.
Imagine-se, por um instante, diante de uma machamba ao amanhecer. A brisa suave ainda carrega o frio da noite, e o sol desponta, tímido, no horizonte. Ali, com as mãos sujas de terra, está a mulher que, desde cedo, prepara o solo para o cultivo. Ela não apenas planta sementes; ela semeia esperança para os dias que virão. Com um simples movimento da enxada, ela transforma a terra em alimento, sustento para muitas mesas. E, no entanto, quantos veem a importância desse trabalho? Quantos reconhecem a dignidade daquelas mãos calejadas?
No outro extremo, num escritório climatizado, um homem analisa gráficos, escreve relatórios, e toma decisões que podem mudar o rumo de uma empresa, de uma comunidade. Ele também está em sua machamba, lidando com sementes que, se bem cultivadas, trarão frutos para muitos. Mas, ao contrário da mulher da machamba, seu trabalho é visível, reconhecido e, muitas vezes, mais valorizado. Há, contudo, uma falha nesse reconhecimento: a ausência de um olhar que iguale a dignidade de ambos.
Nas ruas de Nampula, o comércio informal é uma dança de resistência e criatividade. São mães, pais, jovens que, com as mãos, criam pequenas economias, movendo o que pode parecer insignificante, mas que, para muitos, é o sustento da vida. Eles ocupam espaços nos cantos das calçadas, nos becos, transformando o que é marginal em essencial. E quem passa, apressado, raramente reflete sobre o valor dessas atividades que, com sua informalidade, são tão formais quanto o mais estruturado dos trabalhos.
E o que dizer dos varredores de rua, que ao raiar do dia já estão nas calçadas, recolhendo o que o vento da noite trouxe? São eles que limpam o caminho para que o sol brilhe mais forte, para que a cidade acorde limpa, renovada. Mas quem se lembra de agradecer, de reconhecer que, sem esse esforço silencioso, a vida urbana seria um caos? Quem reconhece que há dignidade no movimento da vassoura, na dedicação ao serviço que parece invisível?
Cada trabalho tem um valor intrínseco, uma dignidade que precisa ser reconhecida e respeitada. Não se trata de medir a importância de um em relação ao outro, mas de compreender que todos, em sua diversidade, são essenciais para o funcionamento do todo. A mulher da machamba, o executivo do escritório, o comerciante informal, o varredor de rua – todos, em sua própria machamba, estão plantando as sementes que farão crescer a sociedade.
É necessário que se desenvolva, em cada um de nós, a consciência de que não há trabalho indigno. A única indignidade reside em desprezar o esforço do outro, em não reconhecer que o labor, seja ele qual for, é o que nos mantém unidos, como sociedade e como seres humanos. Quando aprendermos a valorizar o trabalho do outro, a reconhecer a dignidade de cada atividade, então estaremos construindo um mundo mais justo, mais humano.
Respeitar o trabalho do outro é, afinal, respeitar a si mesmo. Porque, no fundo, somos todos trabalhadores da mesma machamba – a machamba da vida, onde cada um, com seu esforço, colhe o que planta, e planta o que colhe, num ciclo interminável de dignidade e de valor.
Kant de Voronha