Por: Valdimiro Amisse
Já Não Quero Lembrar. Já não quero carregar o peso dessas memórias, tão amargas quanto reais, que me arrastam para um abismo de frustração e revolta. Já não quero lembrar do rosto cansado de uma população que foi esquecida, traída pelos seus próprios líderes, abandonada à sua sorte, enquanto o mundo gira como se nada estivesse errado. É uma memória cruel, mas parece que ninguém se importa.
Já não quero lembrar do muito sofrimento. Um povo torturado pela brutalidade, decapitado pelo silêncio, raptado pelo terror que o governa. E os gritos, aqueles gritos que se ouvem nos ventos de Cabo Delgado, são abafados pelas justificações vazias de um governo que diz ser tudo culpa de influências externas. Al-Shabab? A culpa é sempre de fora, nunca é de dentro. Mas eu sei, e você sabe. Já não quero lembrar que as forças de defesa, que deveriam proteger, trazem mais angústia do que alívio. Elas caminham entre o povo, mas suas botas são pesadas demais para as costas dos inocentes.
Já não quero lembrar dos sete anos que se passaram como uma eternidade. Anos em que vidas foram despedaçadas, famílias separadas, corações endurecidos pelo medo. Mais de 900 mil deslocados, e o número não para de crescer. Caminham como sombras, fantasmas sem destino, na esperança de um dia poderem voltar para casa. Mas que casa? Para onde voltam quando tudo foi destruído? Já não quero lembrar.
Já não quero lembrar daquela frase que um dia trouxe esperança: “O povo é meu patrão”. Palavras bonitas, não é? Mas hoje, parecem um insulto, uma piada de mau gosto. Porque o patrão, o povo moçambicano, é quem sofre, quem paga o preço de uma vida que nunca pediu. E os que estão no poder? Continuam a enriquecer, a explorar, a sugar o sangue de um povo já exaurido. E as portagens, ah, as portagens! Cada estrada que cruzamos é uma lembrança amarga de que quem deveria servir, serve-se de nós. Já não quero lembrar.
Mas como esquecer? Como apagar o que está gravado a ferro e fogo na alma de um povo? Como deixar de lembrar quando o presente é um reflexo distorcido do passado? Talvez, no fundo, já não queira lembrar porque lembrar dói demais. E lembrar, em Moçambique, é reconhecer que, mesmo quando tentamos esquecer, o sofrimento não nos abandona. Ele vive ao nosso lado, caminha connosco, todos os dias.
Sim, já não quero lembrar. Mas a dor, essa, nunca nos deixará esquecer.
Ser pobre Não É Defeito.