Por Kant de Voronha
Ser professor é ser o arquiteto invisível do futuro, que, com palavras e exemplos, constrói pontes entre o conhecimento e a transformação.
O professor moçambicano é, antes de mais nada, um aventureiro. Não aquele que se lança ao mar em busca de terras distantes, mas sim um desbravador da mente e do espírito. Ele navega por águas turbulentas de desafios sociais e económicos, com as velas rasgadas pelo vento da indiferença e da precariedade. É um sobrevivente, com os pés firmes na terra da sua vocação e a alma constantemente em busca de alimento, não apenas para si, mas para os que o rodeiam — seus alunos, suas comunidades, seu país.
Em Moçambique, ser professor é carregar nas costas o peso de séculos de história, de injustiças acumuladas e de um sistema educacional que, muitas vezes, mais limita do que liberta. O professor moçambicano, paradoxalmente, ensina sobre o valor da educação, enquanto vive à margem desse valor, quase invisível aos olhos daqueles que deveriam valorizá-lo. É um guerreiro silencioso, que, mesmo com as cicatrizes das dificuldades, continua a caminhar, acreditando que o conhecimento, por si só, pode ser a chave para abrir portas de oportunidades.
Esfomeado, sim, mas não apenas de comida ou de salário digno — que são, sem dúvida, questões gritantes e urgentes. Ele é esfomeado por reconhecimento, por respeito, por condições que lhe permitam exercer o seu ofício com dignidade. Ele sonha com um dia em que o giz não seja apenas uma arma de resistência, mas um instrumento de transformação real. Sonha com uma sala de aula que seja mais do que quatro paredes desgastadas; que seja, de fato, um templo do saber.
Mas o professor moçambicano não é movido apenas pela fome material. Há uma fome maior, mais intensa, que lhe corrói o espírito e que o mantém de pé: a fome de ver seus alunos romperem as barreiras que o próprio sistema lhes impõe. Ele é, por vezes, o único farol em meio à escuridão da ignorância e da exclusão. Cada palavra que ensina é uma chama que acende, mesmo que tênue, a esperança em uma nova geração. Ele sabe que o seu trabalho é uma missão, um ato de fé em um futuro melhor — ainda que esse futuro, muitas vezes, pareça distante ou inatingível.
A sua aventura é feita de contradições. Enquanto carrega o saber nos ombros, o peso da desvalorização lhe fere as costas. Enquanto distribui o conhecimento, sente-se desamparado por uma sociedade que, muitas vezes, não o vê. O professor moçambicano é um aventureiro, sim, mas também um construtor de pontes invisíveis, que unem o presente sofrido a um futuro possível, onde o saber será, enfim, o verdadeiro alimento da liberdade e da justiça.
E assim, ele segue, dia após dia, com o olhar firme e o coração resistente. É um sobrevivente da fome material e da fome simbólica, mas é, acima de tudo, um semeador. Sabe que, mesmo que os ventos lhe sejam contrários, as sementes que planta podem, um dia, florescer em um solo mais fértil. E, nesse dia, talvez, o professor moçambicano deixe de ser apenas um aventureiro esfomeado e se transforme no herói que sempre foi: aquele que alimenta mentes, cultiva sonhos e constrói um país melhor, um aluno de cada vez.
E mais não disse!