Por Kant de Voronha
Nos corredores silenciosos das universidades, nos gabinetes revestidos de diplomas e teses empoeiradas, ecoa uma pergunta inquietante: onde estão os doutores e académicos de Moçambique? Onde está a voz daqueles que passaram anos a construir o saber, a explorar as profundezas do conhecimento, prometendo iluminar os caminhos do país? Moçambique, um país sedento por justiça e equidade, parece carecer das respostas daqueles que detêm as ferramentas intelectuais para interpretar e transformar a realidade. A nação que celebra suas figuras doutas também se pergunta: por que, quando a verdade clama nas ruas, as vozes dos eruditos se calam?
No entanto, enquanto os doutores se confinam aos seus escritórios e as suas conferências, o povo, os chamados pés-descalços, caminha pelas ruas poeirentas das vilas e cidades de Moçambique, exigindo um direito fundamental: a justiça democrática. Trinta anos se passaram desde que a nação, promissora e vibrante, prometeu um futuro democrático a seu povo. Mas essas promessas tornaram-se fantasmas, sombras que assombram as urnas eleitorais e as esperanças populares. Os iletrados, que deveriam ser os últimos a se erguerem, são os primeiros a enfrentar a corrente da injustiça. Sem as honrarias académicas, sem títulos prestigiosos, mas com a dignidade de quem não se deixa enganar por promessas vazias, eles marcham.
Nas margens desta realidade, os doutores — formados nas universidades do mundo, mestres da teoria e das ciências — assistem ao espetáculo. Há quem diga que estão impotentes, outros afirmam que estão conformados. Talvez o poder opressor tenha sido tão sedutor que lhes tirou a coragem de falar; ou talvez a complexidade da injustiça tenha se tornado tão avassaladora que preferiram se perder nas abstrações académicas, discutindo a democracia nas páginas de livros, enquanto, nas ruas, ela se desvanece em mãos corruptas. O conhecimento que deveria ser libertador, instrumentalizado para a justiça, permanece, em muitos casos, preso ao egoísmo de seus detentores, voltado para o acúmulo pessoal, para a autopromoção, enquanto o país arde nas chamas da desigualdade.
Mas, na outra ponta, os pés-descalços não se rendem. Eles, que talvez nunca tenham pisado numa universidade, reconhecem a injustiça que grita nas urnas viciadas e nas assembleias manipuladas. O poder que se prometia ao povo é, há muito, monopolizado por uma elite que distorce a democracia ao seu bel-prazer. Eleições se tornaram meros rituais de manutenção de poder, onde o voto do cidadão se dissolve entre promessas não cumpridas e manipulações descaradas. Quem deveria garantir que a justiça prevaleça se esconde nos labirintos burocráticos, incapaz de enfrentar a fera que, há décadas, suga a essência da democracia moçambicana.
Os académicos de Moçambique, com sua erudição, deveriam ser o farol que guia o povo na tempestade, mas muitos tornaram-se reféns de uma intelectualidade que se aliena da realidade do país. Eles falam em conceitos elevados, nas salas climatizadas dos seus gabinetes, enquanto o povo, o verdadeiro povo, grita por dignidade nas ruas, onde o sol abrasador queima a pele e a fome ecoa nas barrigas. O silêncio dos doutores e letrados não é apenas omissão, é cumplicidade. Cumplicidade com um sistema que, a cada eleição, promete mudanças que nunca chegam, que perpetua a miséria e rouba a esperança.
Os iletrados, ironicamente, entendem melhor que ninguém o valor da democracia. Eles, que talvez nunca tenham estudado os grandes teóricos políticos, sabem que a justiça não é uma palavra bonita para discursos; é a diferença entre uma vida digna e a servidão. Eles sabem que o voto não é apenas um pedaço de papel, mas o símbolo daquilo que lhes foi negado por gerações: a voz, o poder de decidir seu próprio destino. Os doutores, com seus discursos refinados, se perderam nos labirintos das teorias, enquanto os que deveriam ser considerados ignorantes abraçaram o que há de mais fundamental: o direito de serem ouvidos.
A realidade moçambicana é uma dança cruel entre o conhecimento e a miséria, entre a elite que monopoliza a riqueza e o povo que, apesar de todas as adversidades, luta por justiça. O conhecimento dos académicos, quando desvinculado da realidade, transforma-se em inútil. Não se trata apenas de teorizar sobre a democracia, trata-se de vivê-la, de defendê-la quando ela é atacada. O empobrecimento do país não é apenas económico; é um empobrecimento moral, social e intelectual. E os doutores, ao permanecerem em silêncio, tornam-se agentes dessa pobreza que consome a alma da nação.
Enquanto isso, os pés-descalços, os supostos iletrados, continuam a lutar. Sem as honras académicas, sem o brilho dos títulos, mas com a força que vem da convicção de que a justiça deve ser para todos. Eles, que têm menos a perder, são os que mais se arriscam. Pois sabem que, sem justiça, sem a verdadeira democracia, o futuro será tão árido quanto o presente. Eles são os verdadeiros heróis desta história, os que não se rendem ao conformismo, os que, mesmo sem diplomas, compreendem a essência do que é ser humano: lutar pelo que é justo.
E assim, a pergunta ecoa pelas colinas e pelos vales: Onde estão os doutores e académicos de Moçambique? Estão nas bibliotecas, nos seus congressos internacionais, ou nas salas de aula, distantes da realidade? Enquanto o povo, os “iletrados”, lutam pela sobrevivência e pela dignidade, os eruditos permanecem imóveis, guardando para si o conhecimento que deveria ser libertador. Moçambique precisa de doutores, sim, mas doutores que tenham a coragem de deixar os gabinetes e de lutar ao lado do povo, de fazer com que o saber ilumine as sombras da injustiça e transforme o país. Pois sem eles, sem a junção do conhecimento com a ação, a luta pela justiça será sempre uma batalha desigual, onde os mais pobres pagam o preço da indiferença dos mais instruídos. E mais não disse! E Mais não disse!