Por Kant de Voronha
Nas ruas poeirentas de Moçambique, onde o sol não perdoa e a fome se infiltra nos becos mais estreitos, o som de panelas ecoa como o grito de um povo traído. Não é a sinfonia de uma cozinha em festa, mas o estrondo rouco de um protesto, um clamor que sobe ao céu, como o incenso de quem perdeu tudo, até mesmo a esperança.
As mãos calejadas, que antes seguravam enxadas e cadernos escolares, agora empunham panelas vazias. Elas tocam sem ritmo aparente, mas cada pancada tem uma mensagem: “Chega de promessas vazias! Chega de ilusões maquiadas em boletins eleitorais! Chega de cinismo!”
Daniel Chapo, o nome que ressoa como uma sentença para muitos, é saudado nas telas como vencedor, mas é rejeitado nas ruas como impostor. A vitória estampada nas manchetes é apagada nos corações que carregam o peso de 50 anos de injustiças acumuladas. A Frelimo, como um gigante de pedra, fecha os olhos e ouvidos, deixando que o eco do desespero se perca no vazio do deserto político.
Cada panela tocada é um testemunho. O povo não clama por luxo, nem por migalhas de generosidade, mas por algo mais profundo: justiça, dignidade, voz. Não é pelo pão apenas que vivem as nações, mas pela certeza de que suas escolhas contam, de que suas vozes não são abafadas por fraudes e manipulações.
Nas noites escuras, quando o silêncio deveria reinar, o som persiste. É o protesto das almas que se recusam a sucumbir ao conformismo. É o lembrete de que a força de um povo não se mede em armas ou em urnas manipuladas, mas na resiliência de quem continua tocando, mesmo quando tudo parece perdido.
E neste deserto de desilusões, surge uma faísca. Não é a faísca de uma revolução abrupta, mas a chama teimosa da persistência. O povo sabe que cada pancada ressoa no futuro. Cada grito, mesmo ignorado, planta uma semente de mudança.
As panelas, vazias de alimento, estão cheias de significados. Elas carregam a fome, sim, mas também a força. Carregam o peso de um povo que, ainda que esmagado pela indiferença de seus líderes, recusa-se a ser silenciado.
E assim, o som continua. Um dia, talvez, as panelas toquem para celebrar, e não para lamentar. Um dia, talvez, Moçambique ouça, em vez de ignorar. Mas até lá, elas clamam. Clamam por todos que não podem mais. Clamam pelo direito de um país ser verdadeiramente livre.