Por Kant de Voronha
Na vila dos cochichos abafados, onde o silêncio parecia guardar mais segredos que os sussurros, vivia um velho conhecido por todos, mas respeitado por ninguém. Chamavam-no de Mestre da Língua Afiada, mas entre risos disfarçados e olhares reprovadores, a alcunha verdadeira ecoava: “A lata furada”.
Era um homem com o rosto esculpido pelo tempo, mas a alma corroída pela ferrugem da inveja. Onde quer que fosse, deixava um rasto de palavras envenenadas, espalhando boatos como sementes num campo fértil de desinformação. Mas ao contrário do trigo que alimenta, as suas histórias davam frutos amargos: desconfiança, ódio e divisão.
Seu método era simples, quase uma arte perversa. Escolhia suas vítimas com precisão — eram sempre os que brilhavam mais, os que alcançavam o sucesso que ele jamais soubera conquistar. “Fulano roubou para ter aquela casa”, sussurrava com falsa indignação. “Ciclano dormiu com metade da cidade para conseguir aquele emprego”, dizia, entre olhares de escárnio e risadinhas cínicas.
Mas o velho não parava por aí. Ele tinha um talento especial para transformar suspeitas em certezas e pequenos erros em grandes escândalos. Não havia limite para a sua criatividade destrutiva. Quando via dois colegas conversando, criava intrigas. Quando via uma família feliz, insinuava traições. Era como uma tempestade que não chovia água, mas espalhava lama.
A verdade é que aquele velho era, ele mesmo, um monumento à incompetência. Nunca aprendera a construir, mas dominava como ninguém a arte de demolir. Incapaz de fazer algo digno, dedicava-se a desvalorizar os feitos alheios. Não sabia plantar, mas queimava colheitas inteiras com suas palavras incendiárias. Era uma figura que vivia do caos, porque nele encontrava o que jamais encontrara em si mesmo: poder.
Por trás daquela figura de “lata furada”, havia algo ainda mais triste: um vazio. Ele não tinha ideias próprias, apenas a capacidade de destruir as dos outros. Não tinha sonhos, apenas o prazer perverso de pisar nos sonhos alheios. Sua vida era uma longa fila de oportunidades desperdiçadas, de talentos ignorados, de amizades traídas.
E, no entanto, ele reinava em seu pequeno império de discórdia. Afinal, há algo mais fácil do que derrubar quem está de pé? Sua maior habilidade era encontrar as falhas dos outros, mesmo quando estas não existiam, e ampliá-las até que se tornassem insuportáveis. Era mestre em fazer alianças de ocasião, manipulando pessoas tão frágeis quanto ele.
Mas o que o velho não percebia é que seu poder era como sua própria essência: uma ilusão frágil. Assim como uma lata furada não pode conter água, ele também não podia conter a verdade. E a verdade era que sua influência tinha prazo de validade. Quando suas mentiras já não serviam para mais ninguém, ele era abandonado, e o silêncio que tanto temia voltava a cercá-lo.
Há um ensinamento antigo que diz: quem planta vento, colhe tempestade. O velho não apenas plantava ventos; ele era o furacão em si. Mas mesmo o mais destrutivo dos ventos se dissipa, deixando para trás apenas a lembrança de sua passagem.
A vila, cansada de suas artimanhas, começou a resistir. A verdade, como um rio que rompe uma barragem, encontrou seu caminho. E o velho, com sua lata furada, foi reduzido ao que sempre fora: um ruído insignificante, uma sombra que desvanecia ao nascer do sol.
No final, ninguém mais se lembrava do que ele dissera. Apenas do que ele destruíra — e, mais ainda, do que jamais conseguiu construir. E mais não disse.