Por Kant de Voronha
Era impossível cruzar com ela sem sentir o peso de seu olhar. Não era apenas o semblante rígido que denunciava seus sentimentos; era o brilho gélido de seus olhos, que pareciam ferver em veneno. Ali, naquela íris carregada de ressentimento, morava uma verdade inquietante: ela não sabia ser pequena sozinha. Precisava culpar o mundo pelo tamanho que não tinha.
Dona Cláudia, como todos a chamavam, tinha o dom de transformar suas falhas em acusações e seus fracassos em queixas. Para ela, o espelho nunca refletia a realidade. Era mais fácil enxergar as manchas no vidro alheio do que admitir as rachaduras em sua própria imagem. A cada desventura, buscava um culpado. Perdera um contrato importante? “Foi a inveja da Maria.” Não conseguira manter o casamento? “O marido sempre foi um ingrato.” A carreira estagnada? “Os chefes conspiram contra mim.”
Ela caminhava pela vida com a cabeça erguida, mas não por orgulho ou dignidade; era para enxergar de cima os erros que atribuía aos outros. Se alguém conquistava algo, Cláudia dizia: “Foi sorte.” Se alguém fracassava, ela ria baixinho, satisfeita, como quem dizia: “Eu avisei.” Para ela, a dor alheia era um pequeno alívio, uma trégua para seu próprio desconforto.
Mas a verdade, que ela se recusava a encarar, era que seus olhos destilavam vingança porque seu coração transbordava frustração. Cláudia nunca assumira os próprios erros, e isso a transformara numa prisioneira de si mesma. Sempre que algo dava errado, ela não se perguntava o que poderia fazer diferente. Em vez disso, buscava quem pudesse carregar a culpa que ela mesma não queria suportar.
Sua língua era sua arma, mas seus olhos eram os verdadeiros mensageiros de sua essência. Bastava um pequeno desentendimento, e ela transformava qualquer expressão de desacordo num insulto pessoal. Com um olhar de desprezo, descartava pessoas, destruía amizades e erguia muros invisíveis, isolando-se cada vez mais na solidão de suas falsas narrativas.
Cláudia era uma especialista em manipular a compaixão alheia. Ela sabia como fazer parecer que o mundo era cruel com ela, quando na verdade era ela quem destilava crueldade em cada palavra. “Eu sou vítima”, dizia, mas suas atitudes contavam outra história: a de uma mulher que não sabia pedir perdão, que nunca admitia ter errado, que preferia afundar os outros a admitir suas próprias incapacidades.
O que Cláudia não percebia é que sua vingança silenciosa, tão cuidadosamente destilada, nunca atingia o alvo. Ela não destruía os outros; destruía a si mesma. Cada palavra amarga era um veneno que consumia sua paz. Cada olhar de reprovação era um passo para longe de qualquer possibilidade de redenção.
Houve um tempo em que as pessoas tentaram ajudá-la. Amigos ofereceram conselhos; colegas lhe estenderam a mão. Mas como ajudar quem recusa a verdade? Como salvar quem prefere culpar o barco por sua própria falta de habilidade com os remos? Aos poucos, todos se afastaram, e Cláudia ficou sozinha, cercada por um silêncio que ela mesma cultivou.
No fim, os olhos dela continuaram a destilar vingança, mas já não havia ninguém para olhar. Só o vazio, onde sua raiva ecoava sem resposta, e o espelho, que, por mais que ela evitasse, nunca parava de refletir aquilo que ela mais temia ver: a sua própria culpa. E mais não disse!