Por Kant de Voronha
Na poeira quente de Pemba e no asfalto fervente de Maputo, os ícones de um passado glorioso desmoronaram sob a fúria de um povo que não mais acredita em heróis de bronze. A estátua de Alberto Chipande, erguida para eternizar o homem que empunhou a primeira arma da luta armada, caiu diante da ira de manifestantes que, com cada golpe, pareciam libertar décadas de frustração e desespero. Em Maputo, a imagem de Filipe Jacinto Nyusi, uma homenagem ao comandante em chefe e estadista, teve o mesmo destino.
Esses não foram apenas atos de vandalismo. Foram gritos de um povo que perdeu o medo. O povo moçambicano, durante muito tempo silenciado por discursos de unidade nacional e promessas vazias, agora ruge como um leão que desperta da letargia. Os golpes nas estátuas não eram apenas contra o metal, mas contra a história que insiste em romantizar um passado que já não alimenta as esperanças de um presente melhor.
Alberto Chipande, outrora símbolo de libertação, tornou-se aos olhos de muitos um representante de uma elite desconectada, que se apoderou dos frutos da independência enquanto a maioria do povo continua a colher espinhos. Filipe Nyusi, o homem da promessa de ser empregado do povo (seu patrão), agora é visto como um dos arquitetos de uma paz frágil, onde o silêncio das armas esconde as vozes abafadas pela desigualdade e pela opressão escondida sob a pilhagem desenfreada de recursos naturais.
A queda dessas estátuas simboliza algo maior: o fim do medo. O medo que outrora calava as críticas, que transformava líderes em figuras quase divinas, que fazia o povo aceitar a miséria como destino inescapável. Mas o povo cansou. Cansou de venerar heróis que, ao invés de libertadores, se tornaram neocolonos.
A cada martelada contra as estátuas, ressoava a pergunta: quem nos libertará dos libertadores? Os gritos não eram apenas de revolta, mas de desilusão. Como é possível que os heróis de ontem sejam os algozes de hoje? Como pode um país que se ergueu contra a opressão colonialista agora ser sufocado por uma elite que governa para si mesma?
Pemba e Maputo viram algo além da queda de ícones. Viram o despertar de um povo que recusa a idolatria de líderes que esqueceram suas promessas. A queda das estátuas é um manifesto de cansaço, mas também de esperança. Esperança de que o futuro seja construído por líderes que não se transformem em estátuas, mas que permaneçam humanos, sensíveis às dores do povo.
Que essa queda seja um aviso, não apenas para Moçambique, mas para todos os que governam esquecendo a quem servem. Porque quando as estátuas caem, é o fim do medo e o início de algo novo. Que seja o início de uma Moçambique onde o povo não precise derrubar estátuas para ser ouvido, mas onde sua voz seja suficiente para construir um futuro digno. E mais não disse!