Por Kant de Voronha
Era uma vez uma aldeia chamada Ttopwitto, um pedaço de chão abençoado no coração de Larde, província de Nampula. Ali, o Monte Philipo erguia-se como guardião da vida e da memória, uma floresta sagrada onde os espíritos dos antepassados repousavam e uma serpente simbólica zelava pela harmonia. Mas, como tantas outras histórias em Moçambique, esta também foi manchada pela ganância e pelo desrespeito.
A Kenmare, uma empresa irlandesa que explora as areias pesadas da região, chegou prometendo progresso. Mas o que trouxe foi divisão e destruição. O Monte Philipo, que era farol para os pescadores e templo para a comunidade, tornou-se vítima da máquina escavadora. E o que os aldeões ganharam em troca? Apenas promessas vazias e um “acordo” selado às escondidas, sob pressão do governo provincial.
A ponte que ligaria Ttopwitto à vila de Moma, o símbolo da suposta compensação, nunca saiu do papel. Enquanto isso, a floresta sagrada desapareceu sob o peso do extrativismo. Os pescadores, que antes encontravam seu caminho guiados pelo Monte Philipo, agora perdem-se no mar. A comunidade perdeu seu régulo, cuja morte ainda sussurra mistérios, e com ele, perdeu também parte de sua alma.
Esta é a crónica de um povo que, por muito tempo, aceitou em silêncio a exploração que desfigurava sua terra. Mas, como dizem, o silêncio é como um barril de pólvora: um dia explode. E explodiu. Nas manifestações pós-eleitorais, os aldeões levantaram-se. Não havia governo para proteger a Kenmare desta vez. Era a hora de cobrar a dívida, não em dinheiro, mas em dignidade. “Ou constroem a ponte ou destruímos o acampamento!”
A mensagem foi clara. E assim, como um animal acuado, a Kenmare cedeu. Mas o que isso significa? A construção da ponte pode reparar a confiança perdida?
A história de Ttopwitto e do Monte Philipo é um lembrete brutal de como o desenvolvimento que nos prometem é, muitas vezes, um eufemismo para pilhagem. As areias pesadas, a riqueza escondida sob os pés daquele povo, não são de quem as extrai, mas de quem vive sobre elas.
O Monte Philipo já não está lá para guiar os pescadores ou acolher os espíritos. Mas o seu desaparecimento pode ser o farol que ilumina a consciência de um povo: não somos reféns do progresso, somos os donos da terra. E se for para construir pontes, que sejam pontes de justiça e respeito, não de exploração disfarçada de desenvolvimento.
Esta crónica é um grito de Ttopwitto, ecoando por Moçambique e além: a riqueza é nossa. E, desta vez, não aceitaremos nada menos do que aquilo que nos pertence.