Por Kant de Voronha
Os filhos da pátria que tombaram com o peito nu, enfrentando balas que jamais deveriam ter sido disparadas. Devolvam-nos inteiros, vivos, ou ao menos com a dignidade que lhes foi arrancada junto ao último suspiro. Esses corpos que jazem em silêncio são o testemunho de um Estado que já não reconhece seu próprio povo, um povo que luta descalço, mas com a força de quem carrega nas costas a esperança de uma nação melhor.
Eles não pediam luxo, não brandiam armas, nem desejavam o caos. Pediam apenas a verdade – essa verdade eleitoral que parece tão frágil frente às mãos que a distorcem. E por isso, foram caçados. Seus gritos foram calados pelo eco de balas verdadeiras, disparadas por aqueles que juraram proteger a nação. Devolvam os nossos mortos, porque eles não são só números, nem estatísticas de um relatório frio. São nomes, histórias, sonhos interrompidos, vozes que ainda ecoam nos becos e praças, clamando por justiça eleitoral.
Quem são esses heróis anónimos? São agricultores que deixaram os campos para erguer cartazes. São mães que abandonaram o silêncio das cozinhas para gritar nas ruas. São jovens que trocaram o futuro incerto pelo presente perigoso de resistir. São os que caminham com pés descalços, mas com a alma vestida de coragem. Eles não temem a chuva de gás, não recuam diante do aço frio, porque sabem que o que está em jogo é maior do que suas vidas: é o direito de viver num Moçambique que seja de todos e para todos.
Mas do outro lado, há um silêncio ensurdecedor. Um silêncio que pesa mais do que as lágrimas das mães que enterram seus filhos. As instituições que deveriam mediar a paz viraram espectadoras do massacre. E os disparos, esses, continuam ecoando, como se quisessem apagar a memória de quem ousou sonhar diferente.
Devolvam os nossos mortos, porque eles não pertencem a esta guerra fria, onde balas substituem palavras e o medo é imposto como política de Estado. Devolvam-nos para que possamos enterrar não só os corpos, mas também o ciclo de opressão que sufoca a liberdade. Não queremos mártires, queremos vidas. Não queremos luto eterno, queremos justiça.
O sangue que escorre das ruas não fertiliza a terra; ele mancha o solo onde deveria germinar a esperança. Quantos mais precisarão cair antes que a verdade triunfe? Quantas mães precisarão chorar para que a justiça seja feita? Quantos Moçambiques ainda teremos que perder para finalmente sermos todos moçambicanos?
Devolvam os nossos mortos, para que o país possa renascer. Para que o suor dos vivos não seja gasto cavando covas, mas semeando um futuro de paz e igualdade. Para que o sacrifício dos que tombaram seja lembrado não como uma tragédia, mas como o início de uma revolução que devolveu Moçambique ao seu verdadeiro dono: o povo.
E quando as balas cessarem e os gritos silenciarem, que reste apenas uma verdade: Moçambique não pode ser construído sobre cadáveres, mas sobre a vida, a união e a justiça que todos nós merecemos.