Por Kant de Voronha
“Milhões de braços, uma só força.” Este verso do hino nacional de Moçambique, outrora um grito de esperança, ecoa agora nas ruas em tom de resistência. A união que deveria moldar uma nação livre, próspera e justa, como sonharam Eduardo Mondlane, Samora Machel, Afonso Dhlakama e Mahamudo Amurane, tornou-se o estandarte de uma luta contra o que eles jamais imaginariam: um país sequestrado por uma elite insaciável, que transformou o sonho coletivo num pesadelo de miséria e desigualdade.
Os manifestantes, movidos pela indignação, lembram-nos que o poder real está nos milhões de braços. Essa força unificada carrega o potencial de romper as correntes que aprisionam Moçambique. Nas barricadas, nas marchas e nos cantos que ecoam pelas cidades, vive o espírito de uma nação que clama por justiça e transformação. É uma força que não distingue ideologias nem partidos, mas que abraça o ideal de reconstruir o país sonhado pelos heróis nacionais.
O sonho de Mondlane, Samora, Dhlakama e tantos outros era maior do que eles mesmos. Eles sonharam com uma terra onde a riqueza natural não fosse privilégio de poucos, mas património de todos; onde a liberdade não fosse retórica, mas prática diária; e onde o povo fosse protagonista de sua história. No entanto, esse sonho foi capturado, distorcido e vendido ao preço da corrupção, da ganância e da opressão.
Hoje, Moçambique é um país onde a maioria luta para sobreviver, enquanto uma pequena elite acumula riquezas inimagináveis. A mesma elite que monopoliza o poder, controla os recursos e manipula as instituições. Mas nas ruas, uma nova narrativa está sendo escrita. A união dos manifestantes – trabalhadores, estudantes, camponeses e cidadãos comuns – representa a recusa em aceitar o status quo. É um lembrete de que o verdadeiro poder não reside nos palácios, mas nas mãos de um povo unido por um objetivo comum.
“Milhões de braços, uma só força” é mais do que um verso; é uma convocação. É a possibilidade de transformar indignação em ação, desespero em esperança, e caos em organização. É a lembrança de que Moçambique já foi uma terra de sonhos revolucionários e pode sê-lo novamente. O caminho não será fácil, mas a história nos mostra que os grandes feitos nascem da união e da coragem de enfrentar o impossível.
Para onde Moçambique irá, depende dos milhões de braços que hoje se levantam. Não para destruir, mas para reconstruir. Não para dividir, mas para unir. Não para perpetuar o ódio, mas para realizar o sonho de uma nação livre, justa e solidária.
E, talvez, ao final dessa jornada, o verso do hino nacional ganhe um novo significado. Será, enfim, o símbolo de um Moçambique que pertence a todos, como sonharam seus heróis, e como deve ser para as gerações que ainda virão.