
Por Kant de Voronha
Há um Moçambique que vive à sombra de uma miragem. Um país de ruas asfaltadas, promessas de progresso e discursos sobre crescimento económico. Mas, para além do que é dito, há um Moçambique real: o das portagens invisíveis, mas omnipresentes.
Somos cobrados a cada passo. Não há estrada sem pedágio, mesmo que a estrada seja de terra batida ou lamaçais impossíveis. Pagamos para nascer, viver e até para morrer. Essas portagens não são apenas barreiras físicas; são metáforas da injustiça que sufoca.
Nas manifestações, os jovens erguem barricadas e exigem portagens de quem tenta passar. Não é apenas um ato de revolta, mas um espelho cruel. Eles cobram porque foram cobrados desde sempre: nos hospitais, onde o direito à saúde exige “motivações extras”; nas escolas, onde a “taxa de exame” vira uma regra não escrita; nos mercados, onde licenças ilegais drenam o pouco que se ganha.
Até na morte somos extorquidos. Nos cemitérios, a terra para enterrar os entes queridos tem preço. Uma taxa pelo descanso eterno. Nem a espiritualidade escapa: igrejas e mesquitas, locais sagrados, muitas vezes se tornam balcões de negócios, onde bênçãos e orações são condicionadas a “ofertas”.
A saúde é portagem. Um paciente sem meios pode morrer na fila de espera porque “alguém” passou à frente. O emprego é portagem. Os jovens são humilhados, pagando para trabalhar, muitas vezes sem nunca ver a promessa se cumprir. O comércio informal é portagem. Pequenos vendedores são forçados a subornar fiscais que deveriam protegê-los.
Essas portagens invisíveis se tornaram o sistema nervoso do país, onde quem tem poder constrói muros enquanto o povo paga para passar por portas inexistentes.
Os jovens que hoje pedem moedas nas barricadas são os mesmos que, anos atrás, pagaram para ter um diploma e nunca conseguiram emprego. São as mães que enfrentaram noites em claro tentando juntar dinheiro para consultas médicas que nunca aconteceram. São os trabalhadores que viram seu esforço ser roubado por taxas e tributos sem explicação.
O sistema que os forçou a essa posição agora enfrenta sua própria fúria. O que é essa cobrança nas manifestações senão uma réplica da cobrança estrutural que nos aprisiona? Não se pode culpar quem devolve ao mundo o mesmo tratamento que recebeu.
Mas até onde isso vai nos levar? Será que essas portagens vão nos unir ou nos destruir ainda mais? Será que aprenderemos que nenhuma sociedade pode sobreviver construindo barreiras dentro de si mesma?
A resposta não está apenas nas ruas, mas no coração de cada moçambicano. Precisamos transformar nossas barricadas em pontes, nossas revoltas em soluções. Não queremos mais portagens; queremos caminhos livres, onde o direito de ir e vir não seja mais uma negociação, mas uma realidade.
Que as ruas falem, que as vozes gritem, mas que o eco dessa luta traga justiça e esperança. Moçambique precisa se libertar não apenas das portagens físicas, mas das portagens invisíveis que cobram nossa dignidade e a nossa humanidade.