Por Kant de Voronha
Nas ruas poeirentas de Moçambique, onde o sol queima os pés descalços e a esperança sangra em silêncio, ergue-se um murmúrio nascido de lágrimas e pólvora: “E se os mortos eleitorais ressuscitarem?” Não falo aqui dos fantasmas das urnas, dessas almas que votam sem rosto e sem voz. Não. Refiro-me aos corpos que tombaram, aos jovens cujo sangue se misturou ao asfalto quente, enquanto marchavam por uma palavra chamada verdade.
O chão é testemunha. Ele guardará os nomes dos heróis anônimos que ousaram desafiar a tirania das balas. Eles marcharam com bandeiras invisíveis, com os pés nus e os corações cheios de um sonho que, um dia, foi de Eduardo Mondlane e Samora Machel: um Moçambique de todos, onde a justiça é lei e a dignidade é pão. Mas o que receberam em troca? Balas. Reais e frias. E o silêncio cínico das autoridades que negam o óbvio enquanto o povo enterra seus filhos.
Quem usa a arma, por ela morre.
A história não esquece e, em seu tempo certo, cobra com juros a dívida do sangue derramado. Não há exército suficientemente forte que sufoque para sempre um povo que decidiu ser livre. Podem matar corpos, mas jamais matarão ideias. Ideias ressuscitam. Ideias caminham sobre os túmulos e se transformam em gritos que nenhum silêncio oficial poderá calar. E então pergunto: E se esses mortos eleitorais ressuscitarem?
Imaginem, por um momento, as ruas de Maputo, Beira, Nampula e Quelimane tomadas por vozes de quem tombou. Vocês os verão, não em carne, mas nos olhos dos sobreviventes que carregam agora o peso de suas mortes. Eles marcharão como sombras vivas, exigindo não apenas justiça, mas um país que os reconheça como filhos. Os mortos não voltarão com armas – quem os matou já perdeu essa guerra. Eles voltarão na voz dos seus irmãos, na coragem de suas irmãs, no voto que um dia será limpo, sem manipulação nem fantasmas.
O poder tomado à força é poder ilegítimo.
Qual é o valor de governar sobre cadáveres? Sobre praças manchadas de sangue e urnas que cheiram a fraude? Não há legitimidade no poder que exige corpos como alicerce. Quem governa assim, governa com medo. Medo de que os mortos se levantem, medo de que as ruas nunca mais se calem. Porque, cedo ou tarde, elas não se calarão.
Nas barricadas, não são apenas pneus que queimam. Queima a paciência de um povo que há décadas tem esperança adiada. Nos gritos dos jovens, não são apenas palavras de revolta. É a voz de um Moçambique que sonha, que luta, que sangra, mas que não desiste. E se hoje os mortos eleitorais não ressuscitam, amanhã serão seus filhos, seus amigos e até aqueles que um dia juraram fidelidade ao sistema que os matou.
Conter manifestações não requer matar.
Governar exige ouvir. Dialogar. Entender que balas são sempre derrotas, mesmo quando caladas pela propaganda oficial. Um governo forte é aquele que enfrenta as vozes do povo com respeito, não com cassetetes. Quem ignora a juventude que clama por justiça, cava lentamente sua própria sepultura política. As armas podem vencer batalhas, mas nunca vencerão corações.
Quo vadis, Moçambique?
Para onde vais, minha pátria, com os teus filhos caídos e a tua verdade sufocada? A esperança repousa em cada jovem que se recusa a desistir. Moçambique tem, em suas veias, o sangue de guerreiros que lutaram pela independência. Que esse mesmo sangue, agora derramado, não seja em vão. Que as vozes que foram caladas se levantem em urnas limpas, em justiça social, em um futuro onde nenhum jovem precise morrer por exigir o óbvio.
E quando os mortos eleitorais ressuscitarem, eles não virão com rancor, mas com a certeza de que sua luta não foi em vão. Eles virão como o vento, como chuva na terra seca, como uma promessa de que o sol nascerá, finalmente, para todos.
Moçambique, escuta o grito das ruas. A história está à tua porta. Que os mortos descansem, mas que a justiça ressuscite.