Por Kant de Voronha
O regresso de Venâncio Mondlane (VM7) a Moçambique, após dois meses de uma presença tangencial, mas de forte impacto nas manifestações pós-eleitorais através das redes sociais, tem gerado intensas especulações. A sua jornada de volta ao país, marcada por uma série de gestos carregados de simbolismo, parece ser o início de uma nova etapa na sua carreira política, embora envolta em enigmas e mistérios que pedem explicações mais profundas. Mas seria este o momento de VM7 para assumir o protagonismo, como parece sugerir o título de seu recente showmício no Mercado Estrela Vermelha em Maputo? E o gesto de se ajoelhar no Aeroporto de Mavalane, com uma Bíblia nas mãos, seria apenas um espetáculo ou, de fato, um ato de redenção política, espiritual e social?
O Retorno de VM7: A Reinvenção ou O Recomeço?
A primeira observação que salta aos olhos é o contexto em que VM7 retorna a Moçambique: não se trata de um retorno convencional de um político que deixa o país para obter uma nova formação ou tentar novos rumos profissionais. O seu retorno se dá após uma temporada de intenso ativismo digital, durante a qual se tornou uma das figuras mais visíveis das manifestações pós-eleitorais, particularmente aquelas que ocorreram a partir de suas lives nas redes sociais. Durante o período de 24 de Outubro até o anúncio da Ponta de Lança, a sua liderança digital tornou-se uma espécie de bússola para muitos, indicando que uma mudança na política do país poderia estar à vista. A sua capacidade de mobilizar as massas e suscitar discussões sobre fraude eleitoral e os limites da democracia no país causou tremor nas estruturas políticas estabelecidas, tornando seu nome mais do que um simples símbolo de contestação: uma ameaça em potencial ao status quo.
O regresso de VM7, ocorrido na manhã desta quinta-feira (9/1), no Aeroporto Internacional de Mavalane, em Maputo, não pode ser visto apenas como o retorno de um exilado político, mas como a materialização de uma aposta na renovação do cenário político moçambicano. O que se segue é um questionamento: será este o momento em que ele, finalmente, vai governar Moçambique? Para responder a esta indagação, é fundamental entender os elementos de sua jornada até o momento, os gestos que marcaram seu retorno e, mais importante, o significado de suas ações.
O Ajoelhar-se em Mavalane: A Bíblia, o Poder e o Povo
O ato de VM7 ajoelhar-se no Aeroporto de Mavalane ao pisar o solo moçambicano, empunhando uma Bíblia nas mãos, foi um momento de grande carga simbólica. Num país onde a religiosidade tem um papel preponderante, especialmente em tempos de crise ou transição, esse gesto não passou despercebido. Não é difícil perceber o que ele procurou representar: a figura do político devoto, que não só se apoia em sua fé para moldar seu destino pessoal, mas que também tenta projetar uma imagem de “Moisés de Moçambique”, o “Salvador esperado”, o “homem do povo” que se submete humildemente às aspirações do povo moçambicano.
Mas, o que está além desse ato de fé aparente? O uso da Bíblia não é trivial. Num contexto onde a luta pelo poder político frequentemente se mistura com a religiosidade, a Bíblia torna-se não apenas um símbolo de consagração divina, mas também de um poder quase messiânico, como aquele que transcende a política tradicional e se conecta diretamente ao imaginário coletivo. Ao ajoelhar-se e empunhar a Bíblia, VM7 estabelece um paralelo com a ideia de redenção — não apenas pessoal, mas também política e social. Ele se apresenta como alguém que não apenas busca salvar a sua imagem, mas também o país, com uma mensagem de moralidade, ordem e justiça, algo que muitos podem ver como uma tentativa de se distanciar de outras figuras políticas que já não gozam da mesma confiança popular.
Mas o que, na realidade, significa esse gesto? Um mero espetáculo? Um truque de marketing político? Ou algo mais profundo e significativo, especialmente num país onde a religiosidade se entrelaça com o tecido social e político? A imagem de VM7 ajoelhado com a Bíblia em mãos, diante das câmeras e do povo, reflete o simbolismo de uma liderança que se coloca acima das convenções políticas e sociais, oferecendo ao povo uma oportunidade de renovação moral e política. Ele se coloca como uma alternativa, como o homem escolhido para liderar um novo Moçambique, imbuído de uma missão divina. O que pode parecer, a princípio, uma performance cuidadosamente orquestrada, carrega, na verdade, um simbolismo que reflete a luta de um homem por um espaço dentro da história política do país.
O Showmício no Mercado Estrela Vermelha: O Presidente do Povo?
Hoje, o título de “Presidente do Povo” dado a VM7 em seu showmício no Mercado Estrela Vermelha, em Maputo, levanta uma série de questões sobre o que vem a seguir. Um showmício em si já é um evento carregado de significados, sendo mais do que uma simples demonstração de apoio. No nosso contexto moçambicano, os showmícios são espaços onde o líder se coloca como o representante legítimo da vontade popular, como aquele que transcende as instituições formais e se conecta diretamente ao povo, oferecendo-lhe uma narrativa de libertação e mudança. Ao usar a frase “Presidente do Povo”, desde sua aparição pública em Mavalane até no mercado Estrela, VM7 coloca-se como aquele que, não só é escolhido pelas urnas, mas também pela vontade popular, na tentativa de afirmar uma liderança legítima, além das estruturas institucionais que ele pode ter visto como falhadas ou corrompidas.
O Mercado Estrela Vermelha, localizado no coração de Maputo, é mais do que um simples espaço de comércio. Trata-se de um ponto de convergência simbólica que reflete a diversidade social, cultural e económica do nosso país. Este mercado reúne vendedores informais provenientes de todas as províncias do país, funcionando como um verdadeiro microcosmo da realidade moçambicana. Nele, as transações vão além da troca de bens materiais, envolvendo também encontros culturais e sociais. Produtos que variam de hortícolas frescas, roupas usadas, bebidas alcoólicas a tecnologias de segunda mão transitam de mãos em mãos, simbolizando a dinâmica de um povo que enfrenta adversidades económicas com criatividade e resiliência. Assim, o Mercado Estrela Vermelha transcende sua função económica e torna-se um espaço de resistência, luta e esperança, representando a essência da economia informal e da subsistência que sustenta milhões de moçambicanos.
Foi exatamente este cenário que VM7 escolheu para a sua “tomada de posse” e jurar honrar a Constituição da República e servir à pátria. O ato, realizado no coração do mercado, a meio de uma moldura humana, carrega um simbolismo profundo. Ao optar por este espaço popular, VM7 envia uma mensagem clara de proximidade e identificação com o povo, distanciando-se das elites políticas tradicionais. A escolha do mercado não foi aleatória. Este local é conhecido por atrair pessoas de todas as origens e regiões, desde o Norte ao Sul do país, simbolizando a unidade nacional e a convivência entre as diferentes realidades culturais e económicas de Moçambique. VM7 parece ter reconhecido essa simbologia e aproveitou o momento para se posicionar como um líder que emerge das bases populares.
A imagem de VM7 jurando honrar a Constituição no Mercado Estrela Vermelha reforça a ideia de que ele pretende posicionar-se como um “Presidente do Povo”. O ato de realizar sua cerimónia num local tão emblemático desafia a ordem simbólica tradicional do poder, geralmente associada a palácios e espaços institucionais. Ele subverte essa lógica ao escolher um espaço onde a vida quotidiana acontece, aproximando-se das realidades vividas pela maioria da população. É também um gesto carregado de ironia: jurar honrar a Constituição num local que simboliza as lutas e os desafios da economia informal. É como se VM7 quisesse enfatizar que a verdadeira essência do país não está nos gabinetes de poder, mas nas ruas, nos mercados e nas mãos daqueles que constroem Moçambique diariamente.
Deste modo, VM7 demonstra um esforço claro para se conectar com as bases populares, afirmando que sua liderança será fundamentada nas necessidades e aspirações do povo. Segundo, ao optar por um espaço tão diverso, ele simboliza a unidade nacional, mostrando-se como um líder que pretende representar todas as províncias e grupos sociais do país. Terceiro, o mercado, como símbolo de resistência e transformação, reflete a promessa de VM7 de liderar mudanças a partir das bases, promovendo justiça social e económica. Por fim, a escolha do Mercado Estrela Vermelha também carrega uma provocação política, sugerindo que o poder deve ser descentralizado e devolvido ao povo.
O Futuro Sociopolítico de VM7: Uma Ascensão Promissora ou um Colapso Previsível?
Agora que VM7 se apresenta com uma base popular sólida e com o respaldo de uma significativa parcela do eleitorado desiludido com os políticos tradicionais, o seu futuro político será uma equação complexa.
Primeiro, a questão da legitimidade eleitoral. Apesar de ter conseguido uma grande mobilização popular e uma forte presença nas redes sociais, o desafio será se ele conseguirá garantir essa adesão no campo institucional. O sistema político moçambicano, com seus blocos partidários estabelecidos, pode se revelar um obstáculo. Além disso, a questão do apoio internacional e da viabilidade de um governo que se distancie das tradicionais alianças políticas e económicas será um ponto de destaque para o seu sucesso. Como ele lidará com essas tensões internas e externas?
O que está por vir? O tempo dirá. No entanto, a presença de VM7 em Moçambique já deixou claro que o jogo político está longe de ser previsível. A sua trajetória, repleta de gestos simbólicos e ações estratégicas, promete um futuro ainda repleto de surpresas. Ele terá o poder de moldar o destino do país, ou será uma chama que se apaga rapidamente? Esse será o maior mistério de todos. E mais não disse!