
Por Kant de Voronha
Hoje (13/1/2025), em Maputo, testemunhamos mais um capítulo sombrio na história da política moçambicana: a tomada de posse dos deputados da X Legislatura. Com rostos que, em sua maioria, representam uma velha ordem de privilégios e interesses pessoais, e não as aspirações do povo, a cerimónia que deveria simbolizar a renovação democrática revelou-se uma encenação desprovida de significado para a maioria dos moçambicanos.
Como podemos chamar de Casa do Povo um Parlamento onde os seus principais atores parecem desconectados das necessidades da população? Não basta proclamar que o Parlamento é a voz dos cidadãos se, na prática, ele mais se assemelha a uma fortaleza de privilégios fechada para quem realmente trabalha e sofre por este país.
A ilegitimidade dos eleitos
Os deputados da FRELIMO e do PODEMOS, que hoje tomaram posse, representam não só a continuidade de uma política excludente, mas também um sistema que perpetua desigualdades e beneficia uma elite política. Muitos deles são velhos conhecidos da arena política, nomes que há décadas circulam nos corredores do poder, mas que raramente apresentam soluções concretas para os problemas reais da sociedade.
É sintomático que o país, onde a maioria da população é jovem, continue a ser governado por uma classe política envelhecida, que insiste em manter-se nos lugares de decisão mesmo quando já ultrapassaram o tempo de contribuição ativa. O conceito de reforma parece existir apenas para os anónimos, para os “sem apelidos”, para aqueles que não têm “padrinhos” políticos. Para os deputados reformados, a Assembleia da República transforma-se numa extensão da sua aposentadoria, com salários generosos e ar condicionado a aliviar o calor da inércia.
A coragem do boicote ou a covardia da subserviência?
Os deputados da RENAMO e do MDM, que recusaram tomar posse, tornaram-se alvo de ataques. Ivandro Massingue, do Podemos, chegou ao ponto de os classificar de “covardes” e “ratos”. Contudo, a verdadeira questão que deve ser colocada é: quem são os verdadeiros covardes nesta narrativa?
A recusa dos deputados da oposição não é, como alegam os seus detratores, um ato de covardia. Pelo contrário, é uma forma de resistência contra um sistema que esvazia a alternância democrática e consolida o poder em torno de um grupo restrito. O boicote é, na verdade, um gesto político de denúncia, uma tentativa de expor a ilegitimidade de um Parlamento que, cada vez mais, funciona como uma empresa privada, onde os interesses de famílias e grupos se sobrepõem às necessidades do país.
A postura dos deputados da FRELIMO e do PODEMOS, que insultam e desprezam o verdadeiro eleitorado, é reveladora de um Parlamento que prefere o consenso forçado pelo Conselho Constitucional à pluralidade de ideias. Em vez de debaterem os verdadeiros problemas do país, preferem silenciar as vozes dissonantes. Que Parlamento é este, onde o debate cede lugar a favoritismos e nepotismo?
A juventude esquecida e o futuro adiado
Moçambique é um país de jovens. Jovens formados, mas desempregados. Jovens cheios de potencial, mas sem oportunidades. Jovens que carregam a esperança de um futuro melhor, mas que continuam a ser ignorados por uma classe política que insiste em permanecer no poder há 50 anos.
Enquanto isso, os assentos do Parlamento são ocupados por uma maioria envelhecida, que já não compreende os desafios do mundo contemporâneo. Quando é que a política do nosso país dará espaço aos jovens? Quando é que os filhos deste país poderão liderar, criar e transformar o futuro que lhes pertence por direito?
A alternância política em Moçambique não pode ser apenas a permanência monopartidária na gestão governativa. Ela deve ser uma transformação estrutural que permita a entrada de novas ideias, novos rostos e novas formas de fazer política. Sem isso, continuaremos presos num ciclo de estagnação e desigualdade. Continuaremos com minoria rica e maioria empobrecida e escravizada.
A urgência de um novo modelo de Parlamento
O Parlamento moçambicano deve ser um espaço de representação genuína, onde as vozes de todos os cidadãos possam ser ouvidas e respeitadas. Não pode continuar a ser uma arena de interesses pessoais e familiares, onde os laços de parentesco pesam mais do que a competência e o mérito.
A reforma política é urgente. É preciso limitar o número de mandatos, garantir a entrada de jovens na política, implementar mecanismos de fiscalização eficazes e promover uma cultura de responsabilidade e prestação de contas. O país não pode continuar a ser refém de uma elite que governa para si mesma, esquecendo os milhões de moçambicanos que lutam diariamente para sobreviver.
Uma chamada à ação
Aos jovens moçambicanos, a mensagem é clara: não desistam. A luta por um Parlamento legítimo e representativo depende de cada um de nós. É preciso exigir transparência, justiça e alternância verdadeira. Não podemos aceitar que o poder continue a ser um privilégio de poucos enquanto a maioria vive na margem.
Moçambique merece mais. E esse “mais” só será possível quando a política deixar de ser um clube de privilégios e voltar a ser, verdadeiramente, a casa do povo. E mais não disse!